13 de jan. de 2014

Como um quadro de Dalí




Texto premiado no VIII Prêmio Escriba de Contos

com publicação em Antologia (2013). 


Em algum lugar do mundo...
O sol escaldante abrasava os corpos nas filas de atendimento. Jaziam todos imóveis como lagartos ao sol. No senso comum, a regra tácita era não se mover.
No salão repleto de gente a luz transpassava os vidros dos janelões enferrujados e ofuscava os olhares dos usuários do sistema, cegando-os temporariamente. Cumplicidade do arquiteto.
No fim da segunda fila postava-se o senhor Gervásio da Silva Matos  ̶̶̶̶  carpinteiro aposentado e poeta em formação  ̶̶̶̶  catalogado como um dos espécimes dessa estufa humana, que observava o ambiente, apreensivo. Do seu ponto vista, a fila que lhe precedia parecia composta por bonecos de cera submetidos a uma reação química ardilosa e cruel: a parafina lhes escorria sob a forma de gotas de suor quando em contato com o descaso e com aquela temperatura saárica, transformando-os em objetos disformes.

10 de jan. de 2014

Genuíno Brasileiro


Texto premiado com publicação na ANTOLOGIA MEU BRASILEIRO 

  Editora Litteris / RJ. Publicado em 2013.


Nunca houve ninguém a quem o nome se amoldasse tanto!
Genuíno Brasileiro teve sua vida pautada pela alcunha inerente ao próprio registro de nascimento. Seu pai, João Batista Brasileiro, decidiu-lhe o nome quando ainda em útero. Dizia à esposa que andava a ler uns escritos modernos, que afirmavam que o nome interferia no sucesso ou fracasso do indivíduo na vida, e que assim fosse, nada mais justo que dar ao nascituro um prenome forte, atemporal, que lhe conferisse respeitabilidade. E o que melhor traduziria essas qualidades, senão “Genuíno”?
–  Se é isso que se busca em quase todas coisas? Fale-se de diamantes, charutos ou relógios, o que se impõe é que sejam genuínos! Porque essa certeza da origem nos imprime a confiança na qualidade e o prestígio da procedência legítima – dizia João.

25 de jul. de 2013

Desejo


És veneno sem antídoto, fogo que aquece e destrói,
Calor cruel que agonia, vive em mim, derrete o gelo,
Chama viva que me cega e que arde em desespero,
Lanceta o imo ferido e alcança a alma que dói.

Nasces do nada e te expandes, buscas caminhos escusos,
Percorres as curvas do corpo como água que as mãos não seguram,
Te alimentas do improvável e te espalhas como um vírus,
Sangras a minha fé frágil e meus sentidos mais puros.

Essência que me inebria e afasta as mãos que a rechaçam,
Papoula linda que encanta, impregna a mente e perfuma,
Que de ópio me embriaga, e àqueles que me abraçam,
Sopro que de mim não se esvai por causa alguma.  
        
Permites o proibido, tentas a alma sofredora.
Que força essa possuis a ponto de me dominar?
Pelejo contigo em vão, pois sei, serei perdedora,
Ou morro se te controlo, ou vivo e irei fraquejar.

Já que me habitas - radicado que estás, sombra telúrica!
E como te invejo, pois és mais bela, mais ousada e sensual
Do que serei nesta vida em qualquer dia ou noite única.
Morres tu, morro eu, morremos nós dois ao final.

11 de jul. de 2012

No vazio


-  E aí, Lena? O que faz aqui?
- Nada.
- Nada?

-  É. Vim o mais longe possível para não pensar em nada.

-  Por quê?

-  Pra me isolar. Do burburinho do cotidiano, do atordoamento dos sons e imagens do mundo. Preciso do vazio.

30 de jun. de 2012

Natureza


        Quando a tua esperança nublar intensamente pelas injustiças de um mundo em desarmonia, quando  perderes o caminho e nenhuma bússola puder te orientar, quando a solidão tornar o ar mais denso a tua volta, quando as respostas não estiverem em nenhum lugar, quando as pessoas desaparecerem nos momentos mais críticos, contempla a natureza. Ela nos transmite uma paz que não encontramos em nenhum refúgio. Ela é uma fonte profunda de energia pura e um celeiro de harmonia - de cores e formas - que nos renova internamente. Ela é como um feixe de luz que nos repõe a visão e nos desembaça a mente. Ela transmite a força que restabelece nosso equilíbrio. Ela é a mensagem silenciosa de que a criação é perfeita. Ela é uma forma de ligação com o absoluto. É a manifestação do belo e a materialização da oração.

14 de jun. de 2012

Balanços

Uma das melhores lembranças da infância são as tardes nos balanços. Nunca conheci uma criança que não dissesse para o pai ou a mãe “ Empurra mais forte!”.
 Nós voávamos ali sentados, com aquela sensação plena de liberdade que poucas vezes na vida torna a se repetir. O vento batendo no rosto, os pés longe do chão, o brilho do sol nos nossos olhos... O vaivém do balanço era só alegria e prazer e nos sentíamos vitoriosos. Conseguíamos nos equilibrar sozinhos a grandes altitudes! Não tínhamos medo. Éramos só coragem.

4 de jun. de 2012

Carvão-batom


Ainda hoje, passados cinco anos, penso em como tudo aconteceu.
Eu trabalhava o dia todo e encerrava minhas pesquisas ao pôr-do-sol. Um dos hábitos que eu cultivava à época era o jantar no Giácomo. Um verdadeiro ritual numa cantina típica do Piemonte. Todo fim de tarde eu me sentava à mesma mesa na calçada e lia prazerosamente as opções do cardápio. Aquela era a melhor comida da região. Pedia uns petiscos de entrada, um prato principal acompanhado de uma taça de vinho e depois ficava ali por um tempo assistindo à tradicional apresentação de violinos da casa.
Tudo era perfeito, a não ser pelo ‘enigma da cliente anterior’, que me intrigava. 

26 de mai. de 2012

Nenhuma surpresa, nenhuma certeza

Passadas algumas décadas a vida já não é nenhuma surpresa. Vamos vivendo e ao longo dos anos os fatos e as reações humanas se repetem ante nossos olhos com a previsibilidade inerente às fraquezas da nossa espécie. Mudam personagens, locais, mas as circunstâncias e a trama das histórias geram ao final uma mesma série recorrente de reações e eventos.
Aquele espanto diante da vida que temos na infância –  quando descobrimos um pedacinho do mundo a cada dia –  se exaure na medida que nos tornamos mais velhos. E aí nos cansamos. Ficamos com aquele enfado de quem assiste há anos um canal de tevê tedioso –  sempre mais do mesmo.
O que vemos não nos leva a lugar nenhum. Os rostos e gestos de nossos interlocutores reproduzem as mesmas reações dia após dia. A cada ato nosso, surgem expressões faciais conhecidas, desculpas surradas, perguntas recorrentes, respostas desgastadas... E sinalizam que já vimos um pouco de tudo...

19 de mai. de 2012

O portão

O badalar do sino da entrada fez Valdo interromper suas orações. Caminhou até a frente do mosteiro e abriu a pesada porta de madeira ao entregador.
  Bom-dia, Telmo.
  Bom-dia, frade.
Telmo, como de hábito, descarregou os legumes e as frutas para as refeições da semana. Queria ser gentil e levava as compras até a despensa, onde trocava algumas palavras com frade Antão, responsável pela cozinha. Telmo esperava por esse momento todas as semanas. Afora a gentileza, gostava de perambular pelas instalações do mosteiro. Achava que de alguma forma estava ligado àquele lugar e sentia uma paz indescritível ali.

15 de mai. de 2012

Com todo o respeito!



           

    Juvenal estava em pé, na varanda, roendo as últimas unhas.
    Foi logo descendo os degraus quando viu o carro de Beto se aproximar. O pessoal que estava na casa também saiu ao ouvir o motor da 4x4.
 – Já temos combustível! Alcancei o posto cinco minutos antes da meia-noite!
 Nora e Calixto queriam tirar as coisas do carro, mas Beto foi imperativo:
  – Como sou da logística, proponho a divisão de tarefas: eu e Juvenal tiramos as coisas, vocês dois arrumam tudo lá dentro.
Todos de acordo, vão para seus postos. Juvenal abre o porta-malas e começa a tirar a bagagem, mas Beto vem pelo lado e o puxa violentamente pelo braço:
– Seu maluco, o que está pretendendo, Juvenal?
– Eu? Nada, do que você está falando?
– Tô falando da vergonha que você me fez passar lá no posto.

13 de mai. de 2012

A campanha

Meu desejo de voltar às cidades históricas de Minas vinha de longa data. A riqueza do barroco traduzida na arte sacra das naves e altares da região; aquele clima de passado tão presente nas áreas tombadas e nos monumentos restaurados; a beleza das gemas brasileiras transformadas em arte por criativos designers de jóias; tudo é um convite a um deleite estético inenarrável.
Surgiu-me a chance de passar por lá em meio a uma viagem de trabalho. Seriam três dias durante um fim de semana prolongado.
Pela janela da pousada onde me hospedei via uma pracinha acolhedora. Um recanto onde os moradores passam por tradição e os turistas por prazer, e que conseguia sintetizar a atmosfera local. A cafeteria da praça exalava um aroma de café da fazenda que se entranhava nas casas de estilo colonial mineiro, condensando décadas de história num cenário de oitenta metros quadrados.
O movimento da pracinha tinha seu ritmo próprio. Tudo ali parecia se inserir numa dimensão à parte. Como um hiato no tempo e no espaço onde todos se encaixam perfeitamente, esquecendo-se de que o mundo segue em paralelo fora dali.

11 de mai. de 2012

Disputa eleitoral


Em ano eleitoral, a primeira reunião do PRND (Partido reformista da nova democracia) ia tratar da escolha do candidato que deveria concorrer à prefeitura de Santa Abadia. Havia uma cisão entre os correligionários: os mais antigos apoiavam o empresário Jonas Ribeiro e os mais jovens queriam a indicação do doutor Davi Santana. Um terceiro candidato de codinome Mané, também filiado ao partido, corria por fora na disputa, mas não tinha apoio de nenhum setor.

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