De repente, tudo mudou. O projeto ficou tão bom, que fui promovida à diretora de criação e São Paulo seria minha morada daí em diante. Precisava de um apartamento.
Quando parava nos cruzamentos, panfleteiros das incorporadoras me entregavam encartes dos lançamentos imobiliários. Aos montes. Separei alguns e fui conhecer os imóveis no sábado.
O preço era salgado. E o padrão de todos era o mesmo: quartos e banheiros minúsculos, cozinha idem, salas médias ou espaçosas e varandas enormes.
– Por que uma varanda de trinta metros quadrados e quartos onde mal cabem uma cama e um armário pequeno?
– Hoje o mercado exige varandas acopladas à sala – disse o corretor.
– O mercado?
– Sim. As pessoas querem varandas mobiliáveis, com churrasqueira. É o padrão.
– Churrasco na varanda não empesteia a sala?
– Não, a senhora pode fechar os vidros.
– Certo, mas não é isso que eu preciso. Quero quartos mais amplos, uma cozinha onde duas ou três pessoas possam ficar sem se trombar e banheiros onde não precise andar de lado.
– Entendo. Bem, posso lhe mostrar outros imóveis.
Saímos no carro do corretor. Era fim de tarde. Pelo caminho ele foi apontando as torres de apartamentos da sua construtora. Pontuando as qualidades. Todas com trinta andares e varandas enormes.
– Não vou lhe mostrar essas porque estão cem por cento vendidas – justificou o corretor.
– Já estão habitadas?
– Totalmente.
Visitei mais dois imóveis na zona oeste e só ganhei quinze centímetros nos quartos e dez na cozinha, ao preço de trinta mil a mais na conta final. As varandas continuavam enormes.
Era noite. O corretor quis mostrar mais alguns prédios na zona norte. Voltamos pelo mesmo caminho. Passei pelas mesmas torres. Agora, com as luzes acesas vi que os apartamentos estavam, de fato, ocupados.
Visitei mais três prédios, com diferenças milimétricas.
– Não é isso o que eu preciso – disse novamente. – Quero um quarto onde eu possa relaxar, ter uma poltrona para ler, ter armários amplos, ventilados por portas que 'abrem' e não que correm nos trilhos porque a circulação só tem sessenta centímetros. Quero uma cozinha com parede e não dentro da sala.
– Mas a cozinha aberta, o mercado exige. Ambientes integrados.
– Se eu fizer um bife num ambiente integrado eu estrago os sofás e engorduro a tevê de LCD. Quero uma cozinha onde caiba uma mesa. Não é agradável comer emperiquitada em banquinhos.
– Já, mas prefiro uma mesa e cadeiras.
– Entendo, como disse, é o padrão que o mercado exige. E os banheiros de hoje são mesmo pequenos.
– Não, são minúsculos. Uma pessoa obesa ou uma cadeira de rodas ficariam fora.
– Ah! A senhora tem algum parente nessas condições?
– Não, graças a Deus.
– Mas se a senhora quiser um espaço para relaxar, todos os prédios tem um clube com piscina, spa, área gourmet...
– Sei. Quantas unidades há nessas torres?
– De cento e vinte a cento e oitenta.
– E como organizam o clube e o spa?
– É simples. A senhora faz uma reserva com uma boa antecedência. Isso vale para a sauna, a churrasqueira do jardim, o home teather, tudo.
– Faço uma reserva para o dia em que pretendo relaxar.
– Exato. Tudo funciona muito bem.
– Está certo. Eu lhe agradeço a atenção, mas por hora não encontrei o que queria.
– Fique à vontade. Estou a sua disposição. A senhora pode estar segura que não há padrão melhor que o nosso. Viu as torres que lhe mostrei do carro? Umas dez. Todas vendidas.
– Eu vi. Tanto de tarde como de noite. Mas achei curioso...
– O quê?
– A exigência do mercado.
– Como assim?
– É que não havia ninguém nas varandas.
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Um comentário:
Verdade bem humorada! E bem escrita! Congratulações!
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