Dalmo levou o copo à boca e parou. A mão no ar, o gelo girando no
whisky, o olhar distante.
– Eu conheço esse teu jeito... – disse Léo, sem largar o jornal.
– Você está ficando velho. Espiando por cima dos óculos?
– Eu te conheço há vinte anos. Já vi esse olhar antes.
– Esse, não.
Dalmo a vira passar numa tarde. Um jeito leve, descomplicado, de quem
encontrou seu lugar na vida. Sem pose, mas com classe. Sem excessos. Seguia
pela orla numa bicicleta lilás.
Seu rosto era sereno, quase sorria. Cabelos
presos, castanhos claros, pelve alva de quem não expõe ao sol, mãos delicadas.
Seguia numa velocidade perfeita: lenta o suficiente para apreciar a paisagem,
rápida o bastante para sentir o prazer do frescor marinho em sua pele.
Havia um
tempo desistira de procurar sua musa. A vida não é poesia...
Dalmo teve sua
rapsódia de amores. Relacionamentos bons – na maioria. Mas vestidos de um
contentamento chocho que não conseguia superar. Belas mulheres, inteligentes, no
entanto... faltava algo. Sempre pôde rotular cada uma delas. E sabia que quando
a visse, quando encontrasse sua musa, não poderia fazê-lo. Seria única. Tão
outra que não saberia descrevê-la.
E agora descobrira a
moça da bicicleta lilás. Tão singular...
– Você não tinha desistido? – perguntou Jonas.
– Depois de velho virou psicólogo?
– Pra bom analista meio olhar é paisagem.
– Eu estava nesta mesa há dois dias e ela passou
numa bicicleta lilás.
– E o seu radar de musas disparou.
– Eu não estou mais à procura, mas às vezes se gente
não corre atrás é que...
– O destino corre atrás de você...
– Exato. É que ela me passou uma impressão tão...
sei lá.
Ficaram ali por mais dez minutos, em
silêncio. A bicicleta não voltou. Dalmo terminou o drink e se despediu:
– Valeu, amigo. Está na minha hora.
– Não se anime muito, Humphrey Bogart. Você não tem mais idade pra isso.
– Eu sei.
Dalmo seguiu pelo calçadão, até
chegar à ruazinha da boulangerie.
Se não tenho a musa, ao menos
pão.
Desviou sua rota para riscar da
mente aquela memória e escolheu duas baguetes quentinhas. Ao sair, seguiu pelas
travessas menores. Zigzagueando os pensamentos que tentava esconder de si
mesmo. Ruazinhas de bairro tem um valor inestimável...
Foi quando viu a lojinha de
cerâmicas. Tinha uma placa rústica, a fachada com flores na janela, um banco na
calçada e... a bicicleta estava lá...
Ele parou. Não sabia se entrava, se
seguia, se esperava...
Quando não souber o que fazer,
não faça nada...
Foi para casa e no dia seguinte
sentou-se com Léo, como costume.
– Eu a encontrei – disse Dalmo.
– Onde?
– Numa lojinha perto da boulangerie.
– Falou com ela?
– Não. Estou pensando como fazer. Não quero
afugentá-la com o approach errado. Não tenho mais tempo para cometer erros.
– Acha que desta vez encontrou tua musa?
– Acho.
– O que a moça tem que te deixou aguado? Nem consegue dizer o que
viu nela...
– É justamente por isso.
– Isso o quê?
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