O badalar do sino
da entrada fez Valdo interromper suas orações. Caminhou até a frente do
mosteiro e abriu a pesada porta de madeira ao entregador.
– Bom-dia, Telmo.
– Bom-dia, frade.
Telmo, como de
hábito, descarregou os legumes e as frutas para as refeições da semana. Queria
ser gentil e levava as compras até a despensa, onde trocava algumas palavras
com frade Antão, responsável pela cozinha. Telmo esperava por esse momento
todas as semanas. Afora a gentileza, gostava de perambular pelas instalações do
mosteiro. Achava que de alguma forma estava ligado àquele lugar e sentia uma paz
indescritível ali.
O frade Valdo o
deixava entrar e ficava durante aqueles poucos minutos observando o movimento
lá fora. Da mureta que ladeava a entrada do mosteiro podia avistar lá embaixo a
agitação da feira e ouvir o burburinho da vida da cidade. Pensava como seria
viver lá, em meio ao frenesi da luta pela sobrevivência. Com um desafio novo a
cada dia. Valdo havia sido criado pelos frades após a morte de seus pais em um
trágico acidente. Era muito grato a eles, mas agora, com vinte anos, começara a
ter dúvidas em relação a seu destino.
Durante meses,
Telmo e Valdo repetiram o mesmo ritual matinal. Todas as semanas, ao sair do
mosteiro, Telmo dava uma última olhada no pátio e na capela e Valdo fechava o
portão olhando também uma última vez para a estrada que o levava até a cidade.
Um dia Telmo não
apareceu. Em seu lugar veio o senhor Norberto, o dono da venda. Após deixar as
compras, Norberto voltou ao portão e frade Valdo lhe perguntou:
– O que houve com nosso irmão Telmo?
Está adoentado?
– Não. Ele foi para a capital tratar
de uma pequena herança que recebeu de um tio distante. Com ela pretende arrumar
uma situação melhor para sua família que vive de forma muito modesta.
– Que Deus o abençoe em sua jornada - disse Valdo.
– Assim, seja frade. Até a semana.
Valdo ficou
pensando na coragem do rapaz. Sair mundo afora para ajudar os seus. Já não
escondia de si mesmo o sentimento que procurara manter represado tanto tempo:
ele invejava a vida de Telmo. Sabia que era uma existência de trabalho árduo e
sem muitas regalias, mas se sentia mais propenso a lutar pela subsistência do
que a viver no mosteiro. Não estava certo de sua vocação.
Passados dois
meses, o senhor Norberto trouxe a entrega semanal e ao sair deu a notícia:
– Telmo deve voltar na próxima semana.
Ele conseguiu receber a herança e vai comprar uma casinha para os pais com uma
garagem à frente, onde vão tocar um pequeno negócio. Estão todos muito felizes.
– Louvado seja o Senhor que ouviu nossas preces.
– Amém, frade. Eu lhe digo uma coisa: aquele
menino tem algo especial. Ele tem vinte anos, mas parece distante dos interesses
dos outros jovens da sua idade. Sei que ele busca alguma coisa e espero que
agora, com sua família em melhor situação, ele consiga encontrar seu
destino, seja ele qual for.
– É preciso coragem
para buscar nosso verdadeiro caminho – disse Valdo.
– É verdade. E
a coragem de alguns às vezes nos estimula a cultivar a nossa. Já vi muitas
histórias assim... Bem, até mais, frade.
– Vá com Deus, senhor Norberto.
Valdo pensou nas
palavras do comerciante por toda a semana.
No dia das entregas
o sino da entrada soou logo pela manhã. Valdo abriu a pesada porta do mosteiro
e viu Telmo com as compras.
Acenaram um
cumprimento amistoso, mas não trocaram nenhuma palavra. Telmo levou as
encomendas até a dispensa e ao voltar olhou para o frade e parou. Valdo lhe devolveu o olhar e se dirigiu para o portão.
Só que desta vez Telmo o fechou e ficou dentro
do mosteiro, enquanto Valdo começava a percorrer a estrada que o levaria a
cidade.
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