10 de mar. de 2012

O colecionador


Lourenço chegou à Santa Abadia em grande estilo.
Alugou o casarão da viúva Vitória e fez uma reforma por sua conta. A pintura nova e alguns detalhes no acabamento transformaram a antiga moradia num palacete digno de um rei.
Três semanas depois, quando o caminhão chegou, a mudança chamou a atenção de todos. Móveis de estilo, tapetes persas e inúmeras obras de arte.

 Lourenço saiu para as primeiras compras e não demorou a perceber o impacto que causara. Por onde passava recebia mimos e cortesias e todos puxavam conversa buscando saber um pouco sobre o mais novo – e rico – cidadão abadiense.
Ávido por colocar seu plano em prática, tratou de pedir logo uma audiência com o prefeito:
–  Agradeço por me receber! É um prazer conhecê-lo senhor prefeito.
– Digo o mesmo, senhor Lourenço. Soube que se instalou no casarão e fez grandes benfeitorias! Pelo visto pretende ficar conosco um bom tempo...
– O necessário para concluir minha pesquisa, embora eu tenha achado a cidade tão acolhedora que talvez me permita ficar um pouco mais.
             –  Então temos aqui um ilustre pesquisador...
        – Nem tanto, minhas ambições são modestas. Pesquiso os efeitos das águas sulfurosas na saúde dos idosos. Tenho vivido os últimos três anos em estâncias hidrominerais.
              – Ah! Pesquisas acadêmicas! Para uma tese, talvez...
              – Na verdade, não. Talvez a converta em tese ao final, mas tornei-me pesquisador para dar um destino útil a uma herança de família recebida há três anos.
– Muito interessante...
– Veja, senhor prefeito...
– Lázaro, por favor.
– Claro. Veja Lázaro, estou na meia-idade e sou um sujeito tranquilo e metódico. Não tenho ânsias de sair por aí gastando uma fortuna toda em bobagens. Já viajei o mundo todo, aproveitei a vida... Agora quero um pouco de sossego. E como não tenho filhos quero deixar meu legado ao mundo na forma de um auxilio à ciência. Senão, que sentido teria nossa passagem aqui?
– Muito louvável, senhor Lourenço, muito louvável! E em que posso ajudá-lo?
– Bem, em cada cidade que passo, costumo ajudar uma obra social. Gostaria que me mostrasse os projetos daqui.
– Com prazer! Vou tomar as providências e mando lhe avisar. Em nome dos cidadãos de Santa Abadia, eu lhe agradeço. Precisamos de pessoas como o senhor!
– Não há o que agradecer. Apenas procuro retribuir às cidades que tão bem me acolhem.
O prefeito foi levá-lo até a porta:
– Uma última coisa, Lázaro: onde as pessoas daqui costumam se reunir? É sempre bom fazer novos amigos.
– Temos um clube na cidade. É frequentado pela nata da sociedade local. Terei prazer em apresentá-lo. No sábado, talvez?
– Está ótimo.
– Mando buscá-lo às quatro.
O clube o recebeu com honras.
– Um benfeitor! – diziam.
Durante o jantar, o prefeito declarou:
– Tenho a satisfação de anunciar que o senhor Lourenço cedeu o casarão para realizarmos, daqui a duas semanas, o jantar beneficente em homenagem à Madre Odília, nossa fundadora! E mais! Será, pela primeira vez, um evento black tie!
Os aplausos irromperam por todo  o salão.  
As mulheres vibraram. Compraram tecidos na capital e mandaram fazer vestidos maravilhosos. Os convites acabaram em dois dias e foram disputados a tapa! Nem a entrega do Oscar seria tão concorrida.
Na noite do jantar todos se depararam – estupefatos – com a coleção de obras de arte do Lourenço. Pinturas valiosíssimas!
– O senhor não nos disse que era um colecionador! – disse Lázaro.
 – É uma tradição de família. Uma forma segura de investir. Tenho preferência por pintores holandeses, dinamarqueses e eslavos: Andrija Medulic, Alphonse Mucha, Mikhail Vrubel, Laurentz Jensen, Emile Vernon... Mas também possuo telas de grandes nomes nacionais. 
Ante o interesse de todos, Lourenço se pôs a andar pela casa com um séquito atrás de si: Este é um legitimo Peticov; este, um legítimo Portinari... 
Durante a festa, ele anunciou que no fim do mês iria leiloar um legítimo Visine Pffizer, e metade da renda iria para obras de caridade.

               

A sociedade abadiense adorou! As figuras mais influentes da cidade se dispuseram a dar seus lances.
Terminado o jantar, Lourenço telefonou:
– Tudo pronto, Enir. Pode trazer o quadro no sábado. Algo impressionista.
Lourenço e Enir foram colegas na faculdade de Belas Artes. Lourenço optou pelo curso para seguir o negócio da família. Seus pais eram antiquários na capital. Uma família com certo prestígio. Mas com a chegada de concorrentes maiores, foram definhando, até perderem quase tudo. Fecharam as portas e viveram modestamente, até morrerem, três anos atrás. Lourenço ficou com o saldo de móveis e quadros do antiquário, mas percebeu que se os vendesse, em pouco tempo acabaria sem nada. Ele e Enir vivem da venda de telas na feirinha da praça Benedito Calixto, mas mal dá para pagar as contas.
Foi então que tiveram a ideia. O plano era simples. Lourenço, com aquele feitio aristocrático de berço, encaixaria bem no papel de rico excêntrico. Eles pesquisavam um vilarejo do interior que possuísse uma pequena elite – que nada entendesse de arte. Enir ia para lá e se hospedava num hotel barato. Ficava por uma semana e coletava as informações relevantes. Depois de uns dias, Lourenço aparecia com ares de ricaço e se instalava na cidade. Ganhava a confiança de todos, fazia algumas doações e convidava a “elite” para conhecer sua casa ricamente mobiliada com os saldos do antiquário falido. Então dava o golpe final: anunciava o leilão de um quadro famoso. Inventava nomes estranhos para os pintores estrangeiros e citava alguns nomes reais, cujas telas, eram pintadas em réplica por Enir. Se alguém pesquisasse, acharia referências dos pintores verdadeiros, e os inventados, passariam por artistas menos conhecidos. Como ninguém entedia de arte, era fácil. Levava o dinheiro do abastado mais tolo da cidade e depois partia.
Tinham se dado bem até então. E os quadros do Enir possuíam realmente uma técnica primorosa. Até valeriam o montante coletado nas fraudes. Mas desta vez, um pequeno detalhe poderia mudar tudo.
Na véspera do leilão o vereador Siqueira foi até o casarão:
– Senhor Lourenço, soube que vai leiloar um de seus quadros amanhã.
– De fato. E o senhor está convidado.
– Podemos conversar?
O caminhão veio de madrugada. No dia seguinte o casarão estava vazio e Lourenço havia sumido...
No bar do Onório a conversa era uma só:
– Mas o que teria acontecido? Não era hoje o jantar do leilão?
– Era. E garanto que eu daria o maior lance para aquele Visine Pffizer! – disse o presidente da Câmara.
– Eu lhes digo o que aconteceu – disse o Siqueira ao entrar. – Ele era uma fraude. O quadro não era um Visine Pffizer!
– E desde quando o senhor entende de arte?
– Desde nunca. Só que Visine Pffizer é o nome do meu colírio!



Um comentário:

Pera disse...

Excelente! Gostei muito! Da altura de um Luís Fernando Veríssimo!

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