Lourenço chegou à Santa Abadia em grande estilo.
Alugou o casarão da viúva Vitória e fez uma reforma por sua conta. A
pintura nova e alguns detalhes no acabamento transformaram a antiga moradia num
palacete digno de um rei.
Três semanas depois, quando o caminhão chegou, a mudança chamou a atenção
de todos. Móveis de estilo, tapetes persas e inúmeras obras de arte.
Lourenço saiu para as primeiras
compras e não demorou a perceber o impacto que causara. Por onde passava recebia
mimos e cortesias e todos puxavam conversa buscando saber um pouco sobre o mais
novo – e rico – cidadão abadiense.
Ávido por colocar seu plano em prática, tratou de pedir logo uma
audiência com o prefeito:
– Agradeço por me receber! É um
prazer conhecê-lo senhor prefeito.
– Digo o mesmo, senhor Lourenço. Soube que se instalou no casarão e
fez grandes benfeitorias! Pelo visto pretende ficar conosco um bom tempo...
– O necessário para concluir minha pesquisa, embora eu tenha achado a
cidade tão acolhedora que talvez me permita ficar um pouco mais.
–
Então temos aqui um ilustre pesquisador...
– Nem tanto, minhas ambições são
modestas. Pesquiso os efeitos das águas sulfurosas na saúde dos idosos. Tenho
vivido os últimos três anos em estâncias hidrominerais.
– Ah! Pesquisas acadêmicas! Para uma tese,
talvez...
– Na verdade, não. Talvez a
converta em tese ao final, mas tornei-me pesquisador para dar um destino útil a
uma herança de família recebida há três anos.
– Muito interessante...
– Veja, senhor prefeito...
– Lázaro, por favor.
– Claro. Veja Lázaro, estou na meia-idade e sou um sujeito tranquilo e
metódico. Não tenho ânsias de sair por aí gastando uma fortuna toda em
bobagens. Já viajei o mundo todo, aproveitei a vida... Agora quero um pouco de
sossego. E como não tenho filhos quero deixar meu legado ao mundo na forma de
um auxilio à ciência. Senão, que sentido teria nossa passagem aqui?
– Muito louvável, senhor Lourenço, muito louvável! E em que posso
ajudá-lo?
– Bem, em cada cidade que passo, costumo ajudar uma obra social. Gostaria
que me mostrasse os projetos daqui.
– Com prazer! Vou tomar as providências e mando lhe avisar. Em nome
dos cidadãos de Santa Abadia, eu lhe agradeço. Precisamos de pessoas como o
senhor!
– Não há o que agradecer. Apenas procuro retribuir às cidades que tão
bem me acolhem.
O prefeito foi levá-lo até a porta:
– Uma última coisa, Lázaro: onde as pessoas daqui costumam se reunir?
É sempre bom fazer novos amigos.
– Temos um clube na cidade. É frequentado pela nata da sociedade
local. Terei prazer em apresentá-lo. No sábado, talvez?
– Está ótimo.
– Mando buscá-lo às quatro.
O clube o recebeu com honras.
– Um benfeitor! – diziam.
Durante o jantar, o prefeito declarou:
– Tenho a satisfação de anunciar que o senhor Lourenço cedeu o casarão
para realizarmos, daqui a duas semanas, o jantar beneficente em homenagem à
Madre Odília, nossa fundadora! E mais! Será, pela primeira vez, um evento black
tie!
Os aplausos irromperam por todo
o salão.
As mulheres vibraram. Compraram tecidos na capital e mandaram fazer
vestidos maravilhosos. Os convites acabaram em dois dias e foram disputados a
tapa! Nem a entrega do Oscar seria tão concorrida.
Na noite do jantar todos se depararam – estupefatos – com a coleção de
obras de arte do Lourenço. Pinturas valiosíssimas!
– O senhor não nos disse que era um colecionador! – disse Lázaro.
– É uma tradição de família. Uma forma segura de investir. Tenho preferência por pintores holandeses, dinamarqueses e eslavos: Andrija Medulic, Alphonse Mucha, Mikhail Vrubel, Laurentz Jensen, Emile Vernon... Mas também possuo telas de grandes nomes nacionais.
Ante o interesse de todos, Lourenço se pôs a andar pela casa com um séquito atrás de si: Este é um legitimo Peticov; este, um legítimo Portinari...
Durante a festa, ele anunciou que no fim do mês iria leiloar um legítimo Visine Pffizer, e metade da renda iria para obras de caridade.
– É uma tradição de família. Uma forma segura de investir. Tenho preferência por pintores holandeses, dinamarqueses e eslavos: Andrija Medulic, Alphonse Mucha, Mikhail Vrubel, Laurentz Jensen, Emile Vernon... Mas também possuo telas de grandes nomes nacionais.
Ante o interesse de todos, Lourenço se pôs a andar pela casa com um séquito atrás de si: Este é um legitimo Peticov; este, um legítimo Portinari...
Durante a festa, ele anunciou que no fim do mês iria leiloar um legítimo Visine Pffizer, e metade da renda iria para obras de caridade.
A sociedade abadiense adorou! As figuras mais influentes da cidade se dispuseram
a dar seus lances.
Terminado o jantar, Lourenço telefonou:
– Tudo pronto, Enir. Pode trazer o quadro no sábado. Algo
impressionista.
Lourenço e Enir foram colegas na faculdade de Belas Artes. Lourenço
optou pelo curso para seguir o negócio da família. Seus pais eram antiquários
na capital. Uma família com certo prestígio. Mas com a chegada de concorrentes
maiores, foram definhando, até perderem quase tudo. Fecharam as portas e
viveram modestamente, até morrerem, três anos atrás. Lourenço ficou com o saldo
de móveis e quadros do antiquário, mas percebeu que se os vendesse, em pouco
tempo acabaria sem nada. Ele e Enir vivem da venda de telas na feirinha da
praça Benedito Calixto, mas mal dá para pagar as contas.
Foi então que tiveram a ideia. O plano era simples. Lourenço, com
aquele feitio aristocrático de berço, encaixaria bem no papel de rico
excêntrico. Eles pesquisavam um vilarejo do interior que possuísse uma pequena
elite – que nada entendesse de arte. Enir ia para lá e se hospedava num hotel
barato. Ficava por uma semana e coletava as informações relevantes. Depois de
uns dias, Lourenço aparecia com ares de ricaço e se instalava na cidade.
Ganhava a confiança de todos, fazia algumas doações e convidava a “elite” para
conhecer sua casa ricamente mobiliada com os saldos do antiquário falido. Então
dava o golpe final: anunciava o leilão de um quadro famoso. Inventava nomes
estranhos para os pintores estrangeiros e citava alguns nomes reais, cujas telas,
eram pintadas em réplica por Enir. Se alguém pesquisasse, acharia referências dos
pintores verdadeiros, e os inventados, passariam por artistas menos conhecidos.
Como ninguém entedia de arte, era fácil. Levava o dinheiro do abastado mais tolo
da cidade e depois partia.
Tinham se dado bem até então. E os quadros do Enir possuíam realmente uma
técnica primorosa. Até valeriam o montante coletado nas fraudes. Mas desta vez,
um pequeno detalhe poderia mudar tudo.
Na véspera do leilão o vereador Siqueira foi até o casarão:
– Senhor Lourenço, soube que vai leiloar um de seus quadros amanhã.
– De fato. E o senhor está convidado.
– Podemos conversar?
O caminhão veio de madrugada. No dia seguinte o casarão estava vazio e
Lourenço havia sumido...
No bar do Onório a conversa era uma só:
– Mas o que teria acontecido? Não era hoje o jantar do leilão?
– Era. E garanto que eu daria o maior lance para aquele Visine
Pffizer! – disse o presidente da Câmara.
– Eu lhes digo o que aconteceu – disse o Siqueira ao entrar. – Ele era
uma fraude. O quadro não era um Visine Pffizer!
– E desde quando o senhor entende de arte?
– Desde nunca. Só que Visine Pffizer é o nome do meu colírio!
Um comentário:
Excelente! Gostei muito! Da altura de um Luís Fernando Veríssimo!
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