SEXTA-FEIRA, 30 DE AGOSTO. PERIFERIA DA CAPITAL.
Prestando bem atenção era possível notar o
volume da arma por debaixo da jaqueta do segurança grandalhão. Ele pegou o
rádio e passou a minha placa:
– DKV 2012, copiô?
Ficou me olhando sisudo por trás do ray-ban
enquanto esperava a resposta.
– Tá limpo – gritou o rádio.
O sujeito liberou minha passagem.
Enquanto sigo a dez por hora pela rua de terra esburacada, vejo nos
telhados outros quatro homens armados.
Chego a um galpão com uma grande porta de aço na frente e bato duas
vezes. A porta sobe até a metade.
–
Opa! Não é que o gente fina veio mesmo?
–
Você me convidou, eu vim. Queria ver suas novas instalações!
–
Entra aí, JB!
–
E aí, Camaleão? Pelo visto, ampliou bem o negócio!
–
Precisei. A procura tá grande – disse, abaixando a porta e palitando os dentes.
– Imagino!
– E o que vai querê hoje, grande? Tá
precisando alguma coisa ou só veio porque eu convidei?
–
Os dois. Tô atrás de um presente. Pra uma amiga. Quero coisa boa.
–
Opa! Tá no lugar certo. Vem pro forro que eu te mostro o melhor.
– No forro?
–
O povo chama de sala vip... e olha, cê deu sorte. Ontem chegô um lote de
primêra.
–
Eletrônicos?
–
Não. Bolsa e perfume. Só coisa fina.
Subimos.
Mal
dava pra andar na sala vip. Eram caixas e mais caixas de mercadoria pelo
chão. Olhei lá de cima e na parte de trás do galpão vi a seção de eletrônicos.
Era de dar inveja as lojas de departamentos.
Camaleão rasgou uma caixa, tirou uns perfumes
e foi mostrando:
– Olha esse aqui! Tua amiga vai gostá: “Be-vulgari”.
– Ô Camaleão! Be-vulgari? Qual é? É Bulgari!
– Pra mim é Be-vulgari. Tá escrito aí.
– Tá, este eu gosto. Vou levar.
– Seguinte JB, te chamei pra um favor.
– Diga lá!
– A patroa anda meio chateada. Me azucrinô ontem à noite. Ela diz que eu
ganho dinhêro, mas ela não pode mostrá. Fica lendo revista no salão de beleza e
acha que todo mundo tem que tá na Caras. Eu digo que o segredo é a alma do
negócio, mas ela qué uma noite de princesa.
– Como
assim?
– Um convite pro baile da cidade. Tive que
concordá. Vou quebrá minha regra desta vez e saí da toca. Pra dá um gosto pra
patroa. Lá eu me misturo com o povo e não chamo atenção.
–
Ideal para um camaleão como você. Todos vão estar de smoking.
–
Vô tê que vesti a ropa de pinguim?
–
Mas vale a pena. A patroa vai posar de princesa.
–
Dá pra descolá o convite? É amanhã...
–
Tá meio em cima, mas eu tenho uns contatos. Manda teu segurança pegar comigo no
escritório, no fim da tarde.
–
Valeu, JB. O Be-vulgari é presente.
SÁBADO, 31 DE AGOSTO. BAILE DA CIDADE.
– E não é que você veio mesmo, Camaleão!
– E a beca? Tô bem?
– Perfeito. Quase não te reconheci. Cadê a patroa?
– Tá ali na mesa, toda prosa, com a dona Lurdes.
– Quem é ela?
– É diretora do orfanato lá do
Morro Branco. No Natal a gente manda sacolinha pras criança.
– Ela sabe do teu “negócio”?
– Nããão. Pensa que eu sô fazendero do interior. A patroa que deu a
ideia. Diz que eu falo meio caipira.
– Não sabia desse teu lado Robin Hood.
– A gente tem que ganhá a vida, JB e fazê
o que pode. Os político não tão nem aí pro povo. E o que governo cobra de
imposto é indecente. Então eu ajudo por fora essa gente coitada. Fiz uma ala
pras criança lá no orfanato. Mas eu pago um preço. Não posso chamá atenção. Tô
até meio nervoso de tá aqui.
– Você tem as costas quentes.
–
Bom, tem uns dotor que vai lá sempre comprá comigo. Pessoal da soçaite. Eles dão cobertura.
–
Eu sei. Tem barra pesada na periferia.
– Sabe que eu tenho minhas regra. No meu negócio não entra nada robado
nem da turma do pó. Eu trabalho direito e pago meus funcionário em dia.
–
Não pensa em aposentar? Já fez um bom pé-de-meia. Tá na hora de viver a vida...
–
Mais um tempo e eu compro uma terrinha e fico por lá.
O
garçom passou e serviu champanhe. Camaleão
levantou a taça para sua princesa e brindou.
– Olha lá, JB, a patroa tá sorrindo.
–
As mulheres adoram se arrumar e desfilar por aí.
–
Só mulher?
–
É, homem também. Desfilam os carrões, jet-skys...
–
Todo mundo desfila, JB. Todo mundo tá nessa. Já viu o jornal? A Internet?
– E como vi! Até pagam pra isso. Pra ser
notícia. Nunca quis ser como eles?
– Vô te falá: já pensei nisso, mas eu tô
bem. Não preciso me mostrá. Olha aí no salão, o tanto de madame e de dotor. Aí
tem muitos cliente, mas aqui ninguém me cumprimenta. Já viu os relógio, as
bolsa, o chero dos perfume? Pois é. Tudo meus produto! Então pra mim tá bom. Tô
realizado!
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