3 de mar. de 2012

Bola 7 na caçapa? (Parte II)


Continuação

IV
      – Martinho, entregou as pastas certas para o senhor Pontes?
        Claro,  seu Prestes. As azuis. As outras estão no armário de baixo.
     – Agora vamos torcer para esse casal se acertar com o Amâncio. Esse mausoléu está à venda há meses e você sabe que o velhote não cuida de nada. Já tirei até rato de lá de dentro!
      – Eu me lembro.
    – Um problemão para o prédio. E precisamos de sangue novo para as reformas da garagem. Ali vai dinheiro.
     – Falta vender o apartamento da dona Celinha. E tem gente interessada.
    –  A corretora me ligou ontem. Fechou negócio. O novo dono muda este mês. Se tivermos dois condôminos novos a situação pode melhorar. Quer dizer, se for gente de dinheiro...
      – O Pontes disse que o Orlando é médico.
      – E o comprador da dona Celinha é funcionário federal aposentado.
      – Médico, funcionário público... Dessa cartola sai coelho.
    – É bom que saia. Quem acaba de comprar um imóvel não vai querer que o prédio entre em ruínas para perder o que acabaram de investir. Eles vão concordar com as obras.
    – O senhor ganha mais votos pro seu lado e derruba a turma do Antunes na assembléia.
      – Aquele bando de ranzinzas encrenqueiros que não querem gastar nada. Mas deixa estar, que a coisa desta vez vai virar.
       – E se os novos donos descobrirem?
   – Que o prédio precisa de obras urgentes? Ninguém sabe que eu pedi orçamento pra garagem. Nem a real situação das infiltrações. E você, eu sei que não vai abrir o bico.
     – Não, mesmo! Preciso dos extras no holerite. Quatro filhos não é mole, seu Prestes...

    V
      – Doutor Orlando, é o Pontes da imobiliária, como passou de ontem?
      – Bem, obrigado.
      – Fechamos negócio. O senhor Amâncio relutou, mas eu insisti um pouco, e ele aceitou a proposta. Sei que era importante para o senhor e pra ser sincero não creio que ele recebesse  proposta melhor.
      – Ótimo. Bom trabalho, Pontes.
      – Vou preparar os papéis e marcar o cartório para daqui a dois dias. Precisamos de duas testemunhas. O senhor tem alguém para levar?
    – Não. Minha família vai ficar fora disso e não quero envolver amigos. Você entende.
      – Claro. Eu me encarrego disso.
      – O bom é que tudo se acertou a tempo. A Leia não sabe do meu... problema de saúde, mas agora vou tomar aquelas providências e provavelmente não a verei mais. Ela ficará bem longe da minha casa e do meu trabalho.
     – Apesar das circunstâncias, fico feliz de ter lhe ajudado. Se precisar de mais alguma coisa...
     – Obrigado, Pontes.
                                                                   
                                                                                   VI
     – Todos presentes? – perguntou o escrivão do cartório.
     Estamos esperando as testemunhas – respondeu o Pontes. Ah! Aí estão eles. Senhor Prestes, Martinho, já conhecem o doutor Orlando e a dona Leia.
   – Sim – disse o Prestes, estendendo a mão aos dois. – Senhor Amâncio, há quanto tempo! Como está a vida no interior?
     – Ótima, obrigado.
     – Podemos começar? – disse o escrivão.
    A leitura da escritura foi feita com solenidade. Os papéis assinados em várias vias e dezenas de carimbos brilhantes reconheceram todas as firmas, coroando o feito.
    – Quando vão mudar? – perguntou Prestes, com um sorriso de orelha a orelha.
   – Não sabemos ainda, não é amor? – disse Leia – vamos fazer uma reforma antes.
    – Mas a mudança será em breve – completou Orlando.
    – Precisamos comemorar – disse Prestes. – Convido todos para uma pizza.
   – Infelizmente temos compromisso. Fica para outra oportunidade – desculpou-se Orlando.
   – Também preciso voltar. A estrada é longa – arrematou o Amâncio.
   – Entendo – disse o Prestes. – Então, senhor Pontes, se quiser nos acompanhar... é por minha conta.
    – Está bem. Estou de carro. Levo o senhor e o Martinho.
    – Eu, não. Vou pegar o turno da noite, seu Pontes. Vá com seu Prestes, que eu tomo o ônibus pro prédio – disse o porteiro.
    Enquanto dirigia, o Pontes resolveu revelar umas coisas ao síndico:
    – Estou sabendo que vão enfrentar obras vultosas, senhor Prestes.
    – Como assim? O senhor viu as pastas. Está tudo em ordem.
     De fato eu vi, mas as pastas não traduzem a realidade, não é?
    – Do que está falando?
   – Não se preocupe. Eu sei do problema da garagem. A empresa que lhe deu o orçamento é do meu primo.
    O Prestes ficou visivelmente desconcertado.
   – Veja, senhor Pontes, eu precisava de mais alguns orçamentos antes de divulgar o caso para os condôminos. O senhor sabe, tem empresa que gosta de aplicar. Diz que o problema é grande, coisa e tal e quando a gente vai ver, é peixe pequeno. Não quero que me entenda mal.
   – Está tudo bem, senhor Prestes.
   – Contou isso ao doutor Orlando antes de fechar a venda do vinte e três?
  – Não. Ele não precisa de mais problemas do que já tem. E não faria diferença porque ele não vai morar lá.
  – Não vai? Não estou entendendo.
  – Só a dona Leia vai para lá.
  – Isso para mim é uma surpresa.
 – Eu pensei em contar ao doutor Orlando sobre as obras, mas preferi ajudá-lo a resolver umas coisas, rapidamente. Daqui pra frente as despesas do apartamento serão por conta da dona Leia. Mas posso lhe garantir que ela vai dar um jeito...
  – Então, ele está caindo fora?
  – Desculpe, não posso dizer mais nada.
 – Entendo. Mas falando de condôminos novos, o senhor conhece a imobiliária PRISMA?
 – Conheço. Já atendemos clientes juntos. Sei que fecharam uma venda no seu prédio há poucos dias.
 – De fato, foi o da dona Celinha. O comprador é funcionário público. Sabe alguma coisa sobre ele?
 – Sei sim. Um tal de Alves. É aposentado e tem muitos problemas de saúde. Parece que se mudou de um apartamento enorme porque gastou tudo o que tinha em médicos e remédios.
  – Meu Senhor! Ele está quebrado?
  – Ou quase.
  – Vai ser difícil aprovar as reformas assim. Precisava ao menos de duas pessoas com condições...
  – Acho que posso lhe ajudar.
  – Como?
 – O senhor mostra as despesas da reforma ao seu Alves. Conversem em particular antes da assembleia. Se ele não tiver condições, me ligue. Tenho um cliente querendo permutar uma casa no seu bairro. E um apartamento como o esse seria ideal. São imóveis do mesmo valor. Se o senhor Alves quiser, fazemos a permuta, e ele não gasta nada. A casa está em ordem e a documentação é por conta do meu cliente.
  – Nesse caso é claro que faço questão que a firma do seu primo trate da reforma, mesmo que o senhor Alves fique no prédio.
 – Ótimo. E será que o senhor, como síndico, poderia propor a nossa imobiliária como administradora do condomínio? Somos muito eficientes.
  – Bem, pra falar a verdade, costumo ter uma percentagem nos serviços.
  – Quanto?
  – Dez por cento. O senhor poderia manter?
  – Pra mim está bem.
                                  – Chegamos, senhor Pontes. A pizza é aqui.

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