Continuação
IV
– Martinho, entregou as pastas certas
para o senhor Pontes?
– Agora vamos torcer para esse casal se
acertar com o Amâncio. Esse mausoléu está à venda há meses e você sabe
que o velhote não cuida de nada. Já tirei até rato de lá de dentro!
– Eu me lembro.
– Um problemão para o prédio. E
precisamos de sangue novo para as reformas da garagem. Ali vai dinheiro.
– Falta vender o apartamento da dona Celinha. E tem gente
interessada.
– A corretora me ligou ontem. Fechou negócio. O novo dono muda este mês.
Se tivermos dois condôminos novos a situação pode melhorar. Quer dizer, se for
gente de dinheiro...
– O Pontes disse que o Orlando é médico.
– E o comprador da dona Celinha é
funcionário federal aposentado.
– Médico, funcionário público... Dessa cartola sai coelho.
– É bom que saia. Quem acaba de comprar um
imóvel não vai querer que o prédio entre em ruínas para perder o que
acabaram de investir. Eles vão concordar com as obras.
– O senhor ganha mais votos pro seu lado
e derruba a turma do Antunes na assembléia.
– Aquele bando de ranzinzas
encrenqueiros que não querem gastar nada. Mas deixa estar, que a coisa desta
vez vai virar.
– E se os novos donos descobrirem?
– Que o prédio precisa de obras
urgentes? Ninguém sabe que eu pedi orçamento pra garagem. Nem a real situação
das infiltrações. E você, eu sei que não vai abrir o bico.
– Não, mesmo! Preciso dos extras no holerite. Quatro filhos não é
mole, seu Prestes...
V
– Doutor Orlando, é o Pontes da
imobiliária, como passou de ontem?
– Bem, obrigado.
– Fechamos negócio. O senhor Amâncio relutou, mas eu insisti um pouco, e
ele aceitou a proposta. Sei que era importante para o senhor e pra ser
sincero não creio que ele recebesse proposta melhor.
– Ótimo. Bom trabalho, Pontes.
– Vou preparar os papéis e marcar o
cartório para daqui a dois dias. Precisamos de duas testemunhas. O senhor tem
alguém para levar?
– Não. Minha família vai ficar fora
disso e não quero envolver amigos. Você entende.
– Claro. Eu me encarrego disso.
– O bom é que tudo se acertou a tempo. A
Leia não sabe do meu... problema de saúde, mas agora vou tomar
aquelas providências e provavelmente não a verei mais. Ela ficará bem longe da
minha casa e do meu trabalho.
– Apesar das circunstâncias, fico feliz de
ter lhe ajudado. Se precisar de mais alguma coisa...
– Obrigado, Pontes.
VI
– Todos presentes? – perguntou o
escrivão do cartório.
– Estamos esperando as testemunhas – respondeu o Pontes. – Ah! Aí estão eles. Senhor Prestes, Martinho, já
conhecem o doutor Orlando e a dona Leia.
– Sim – disse o Prestes, estendendo a
mão aos dois. – Senhor Amâncio, há quanto tempo! Como está a vida no interior?
– Ótima, obrigado.
– Podemos começar? – disse o escrivão.
A leitura da escritura foi feita com solenidade. Os papéis assinados em
várias vias e dezenas de carimbos brilhantes reconheceram todas as firmas,
coroando o feito.
– Quando vão mudar? – perguntou Prestes, com um sorriso de orelha a
orelha.
– Não sabemos ainda, não é amor? – disse Leia – vamos fazer uma reforma
antes.
– Mas a mudança será em breve – completou
Orlando.
– Precisamos comemorar – disse Prestes. –
Convido todos para uma pizza.
– Infelizmente temos compromisso. Fica para outra oportunidade –
desculpou-se Orlando.
– Também preciso voltar. A estrada é longa
– arrematou o Amâncio.
– Entendo – disse o Prestes. – Então,
senhor Pontes, se quiser nos acompanhar... é por minha conta.
– Está bem. Estou de carro. Levo o senhor
e o Martinho.
– Eu, não. Vou pegar o turno da noite, seu Pontes. Vá com seu Prestes,
que eu tomo o ônibus pro prédio – disse o porteiro.
Enquanto dirigia, o Pontes resolveu revelar umas coisas ao síndico:
– Estou sabendo que vão enfrentar obras
vultosas, senhor Prestes.
– Como assim? O senhor viu as pastas. Está tudo em ordem.
– De fato eu vi, mas as pastas não traduzem a realidade, não é?
– Do que está falando?
– Não se preocupe. Eu sei do problema da garagem. A empresa que lhe deu
o orçamento é do meu primo.
O Prestes ficou visivelmente desconcertado.
– Veja, senhor Pontes, eu precisava de mais alguns orçamentos antes
de divulgar o caso para os condôminos. O senhor sabe, tem empresa que gosta de
aplicar. Diz que o problema é grande, coisa e tal e quando a gente vai ver, é
peixe pequeno. Não quero que me entenda mal.
– Está tudo bem, senhor Prestes.
– Contou isso ao doutor Orlando
antes de fechar a venda do vinte e três?
– Não. Ele não precisa de mais problemas
do que já tem. E não faria diferença porque ele não vai morar lá.
– Não vai? Não estou entendendo.
– Só a dona Leia vai para lá.
– Isso para mim é uma surpresa.
– Eu pensei em contar ao doutor Orlando sobre as obras, mas
preferi ajudá-lo a resolver umas coisas, rapidamente. Daqui pra frente as despesas do apartamento serão por conta da dona Leia. Mas
posso lhe garantir que ela vai dar um jeito...
– Então, ele está caindo fora?
– Desculpe, não posso dizer mais nada.
– Entendo. Mas falando de condôminos novos, o senhor conhece a
imobiliária PRISMA?
– Conheço. Já atendemos clientes juntos. Sei que fecharam uma venda no seu prédio há poucos dias.
– De fato, foi o da dona Celinha. O comprador é funcionário público. Sabe alguma coisa sobre ele?
– Sei sim. Um tal de Alves. É aposentado
e tem muitos problemas de saúde. Parece que se mudou de um apartamento enorme
porque gastou tudo o que tinha em médicos e remédios.
– Meu Senhor! Ele está quebrado?
– Ou quase.
– Vai ser difícil aprovar as reformas assim. Precisava ao menos de duas
pessoas com condições...
– Acho que posso lhe ajudar.
– Como?
– O senhor mostra as despesas da
reforma ao seu Alves. Conversem em particular antes da
assembleia. Se ele não tiver condições, me ligue. Tenho um cliente querendo
permutar uma casa no seu bairro. E um apartamento como o esse seria
ideal. São imóveis do mesmo valor. Se o senhor Alves quiser, fazemos a permuta,
e ele não gasta nada. A casa está em ordem e a documentação é por conta do meu
cliente.
– Nesse caso é claro que faço questão
que a firma do seu primo trate da reforma, mesmo que o senhor Alves fique no prédio.
– Ótimo. E será que o senhor, como síndico,
poderia propor a nossa imobiliária como administradora do condomínio? Somos
muito eficientes.
– Bem, pra falar a verdade, costumo ter uma percentagem nos serviços.
– Quanto?
– Dez por cento. O senhor poderia manter?
– Pra mim está bem.
–
Chegamos, senhor Pontes. A pizza é aqui.
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