Mark é a encarnação
da maldade.
Dedica cada minuto
da sua existência miserável a atormentar os que cruzam seu caminho. É um
colecionador de almas – das que ele destrói.
Ao longo da sua
vida ninguém saiu ileso: mulheres, funcionários e até colegas de bar. Amigos ele nunca teve. Não por opção, mas porque
lhe falta alcançar a acepção da palavra.
Mas não ocupemos
estas linhas apenas com alusões à sua crueldade natural. Não seria justo – se é
que esse conceito se aplica ao Mark.
Seu egoísmo exuberante
e sua falta de senso moral não germinaram só lágrimas e desgraças. Ele também
propiciou a alguns, momentos de alegria: aos advogados que levaram fortunas a
defendê-lo nas ações judiciais; aos cúmplices aliciados a suas artimanhas em
troca de vantagens diversas; aos colegas de firma, quando ele deixou a gerência
e mudou-se para o interior. Deram até uma festa.
Mark não alcançaria
suas proezas se lhe faltasse inteligência. É ai que reside o seu encanto. Ele é
exímio em decifrar personalidades e se mostra sedutor à primeira vista. Os
chefes o contratam de plano, pela eficiência, agilidade mental, aparente postura
profissional. As mulheres se veem hipnotizadas pelo canto do tritão. Ele molda
suas ações ante as expectativas de cada um. Diz exatamente o que querem ouvir, até que se cansa e deixa cair a máscara.
Liena foi uma de
suas vítimas. Saiu do relacionamento de dois anos com a alma em frangalhos e
algumas marcas pelo corpo. Libertou-se graças a Ângela, amiga de infância que o
denunciou. Ela o fez sair da cidade enfurecido – não sem antes acertar as
contas. A última imagem que Liena tem de Ângela é a do dia da denúncia: um olho
roxo, lábios inchados e marcas marrons nos braços. Ângela não se arrependeu, mas
quis passar um tempo longe, com os tios.
Meses depois, sem
notícias, Liena procurou pela amiga. Ela sumira sem deixar rastros. Disseram-lhe
que foi para o exterior. Mas Ângela não iria sem se despedir. Liena desconfiava
que Mark tinha participação nesse sumiço. Temia que seus receios se confirmassem:
que Ângela estivesse morta.
Precisava olhar nos
olhos de Mark e saber a verdade. Custou a encontrá-lo. Uns diziam que havia se
acidentado numa estrada tortuosa. Outros, que tinha cruzado a fronteira do
Paraguai e por lá ficado. Como um tritão poderia estar até no fundo do mar...
Ela acabou descobrindo seu paradeiro numa cidadezinha longínqua do interior. Pensou como a justiça divina lidaria com Mark, se estivesse certa. Ângela morta e ele desfrutando a vida, incólume? Não lhe parecia um final coerente.
Ela acabou descobrindo seu paradeiro numa cidadezinha longínqua do interior. Pensou como a justiça divina lidaria com Mark, se estivesse certa. Ângela morta e ele desfrutando a vida, incólume? Não lhe parecia um final coerente.
Venceu os
quilômetros cinzentos daquela velha estrada com o peito oprimido e o rosto da amiga
em sua mente. Ao entrar na cidade, sentiu a mudança de ares. Logo
localizou a casa. A pintura descascada, as folhas acumuladas no jardim, o limo abundante
no chão de cerâmica deram-lhe os sinais. Aquele abandono não habitava só o
exterior da velha construção.
Liena teve medo. Um
medo paralisante forjado nas lembranças de seus dias de desespero. Chegou à
varanda e se recusou a subir os degraus. Ângela a perdoaria. Ela tentara, a
despeito das doídas recordações, mas dali não podia passar. Ficaria com a
dúvida por não poder suportar o tormentoso reencontro.
Que a justiça
divina a perdoasse e desse um fim digno a essas histórias entremeadas.
Tolice. Devia ter
ido em frente. O que mais ele poderia fazer que a atingisse? Já lhe destruíra a
alma. Não há sentido em temer a perda de algo que não mais se possui. Ainda
mais agora. O que mais ele poderia fazer? Sem fala e reduzido a uma massa imóvel
numa cama?
Nada.
Nada.
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