2 de mar. de 2012

Bola 7 na caçapa? (Parte I)

I
      Ele chegou ao prédio com antecedência. Seus vinte anos de experiência no ramo lhe ensinaram muita coisa. Sempre se deve preparar o ambiente. Um ajuste aqui e ali pode fazer diferença.
     Boa-tarde! Sou da Pontes e Saffena. Vim mostrar o apartamento vinte e três, do senhor Amâncio. Quero falar com o síndico.

     – Sim.  O nome do senhor?
     – Pontes. Gaspar Pontes.
     O porteiro destravou a entrada e interfonou:
     – O senhor Pontes da imobiliária está aqui – desligou e deu um sorrisinho amarelo. – Ele já vem. Pode aguardar no sofá.
     O elevador chegou em menos de um minuto. Um homem magro e grisalho veio na sua direção estendendo a mão:
    – Boa-tarde. Caio Prestes, às suas ordens.
   –  Muito prazer. O casal que vem ver o vinte e três quer informações sobre o condomínio. Há alguma obra em curso, ou algo que devam saber?
    –  Não, o prédio está uma beleza! Não temos problemas, só as manutenções de rotina. As contas estão em dia e levo tudo na ponta do lápis. As pastas do prédio estão na portaria. Se quiser olhar entregue ao Martinho, o porteiro, quando sair.
      –  Obrigado. Vou pegar as pastas e esperar no apartamento.
      O Pontes abriu as janelas para deixar sair o cheiro de ar viciado. O imóvel era antigo, mas com uma boa reforma ficaria ótimo. Quartos amplos, cozinha boa. Deixou escoar aquela água marrom das torneiras fechadas há algum tempo e a campainha soou.
     –  Doutor Orlando, dona Leia, entrem, por favor.
  Mostrou os cômodos, falou da vista, da boa vizinhança e do condomínio acessível.
     – Precisa de uma reforma – disse o cliente – mas a localização me agrada.
     – Não sei – disse Leia. – Não prefere aquele mais novo perto da clínica?
    –  Aquele não vale o que estão pedindo. Aqui posso fazer uma oferta e pegar um bom preço.
     Leia viu que ele não estava disposto a desembolsar muito com o imóvel:
    – Amor, vou deixar você com o corretor. Tenho horário na esteticista – disse, despedindo-se com um beijo no rosto. – Até logo, senhor Pontes.
     – Foi um prazer atendê-la.
    O Pontes abriu a porta e notou o cliente pensativo ao vê-la sair. A diferença de idade entre eles era grande. Pelo menos vinte anos. Resolveu quebrar o silêncio:
   – Doutor Orlando, vejo que já visitou outros imóveis. Se desejar, tenho mais alguns em carteira. São prédios mais novos e não precisam de reformas.
     – Não, obrigado, senhor Pontes. Não será necessário.
     Achou que estava perdendo alguma coisa na história e decidiu arriscar:
    – De qualquer forma garanto que se ficar com este, com alguns ajustes, o senhor e dona Leia serão muito felizes aqui.
     –  Não seremos não – e permaneceu olhando fixamente o horizonte pela janela da sala.
    O Pontes ficou mudo com a resposta. Levou uns segundos para perguntar:
      Algum problema, doutor? Se for algo que eu possa ajudar...
    –  Tem tempo para uma cervejinha?
    –  Estou ao seu dispor. Não tenho mais clientes hoje.

II

     – Edilene?
     – Oi, Leia, e aí, conseguiu?
     – Não sei. Acho que ele está segurando o dinheiro.
     – Ele sempre foi tão generoso...
     – É, mas agora acho que está com algum problema.. .
     – Com você?
     – Não, mas ele tem trabalhado até tarde. Até dormiu na clínica alguns dias. 
     – Você acha que tem mulher na jogada?
     – Passei lá de surpresa outra noite, com a desculpa de levar um lanchinho, e ele estava sozinho. Acho que é trabalho. Ele só vive pra isso, você sabe.
     – Mas encontrou tempo pra se apaixonar por você...
    – A situação era outra. Você sabe o que ele dizia. A mulher dele não tava nem aí.
    – Bom, se não é mulher, não esquenta. O importante é que ele está cumprindo o que prometeu.
    – É, mas depois desse tempo todo acho que ele vai comprar um apartamento velho e lá do outro lado da cidade.
   –  Leia, seja esperta. Não encrenca, senão ele desiste e não compra nada. Depois, com tempo você vai ajeitando tudo...
      – Você tá certa. É melhor um pássaro na mão...
      – É... e você fez por merecer.
      – Fiz mesmo. Aguentar as esquisitices daquele... não foi fácil!
      – Você já devia estar acostumada. São todos assim. Ossos do ofício, amiga.
     –  Mas assim que eu ficar bem instalada...
     –  Pensando em dar um chega pra lá nele?
     –  O que você acha?
     –  Acho que isso já deu o que tinha que dar. Daí não passa e você tem a vida pela frente. E quer saber? O Carlos sempre arrastou asa por você, está livre, bem de vida e é bem mais novo que o Orlando.
     – Ah é, livre? A bateria está acabando... Depois passo aí pra gente conversar.

III
      – Duas cervejas, por favor!
      – Senhor Pontes, eu pretendo comprar o imóvel. Vou fazer uma proposta, mas não tenho intenção de morar lá.
      – O senhor está comprando como investimento?
      – Não. Estou comprando para Leia. Ela vai morar lá.
      – Entendo. Preferem viver em casas separadas. Já tive clientes assim.
    –  Não. Não é isso. Eu vou deixá-la, mas ela ainda não sabe. Só vou falar no momento certo. Espero contar com a sua discrição.
      – Fique tranquilo. 
     O garçom trouxe as cervejas. Orlando esperou que ele se afastasse e continuou:
     – Se o senhor Amâncio aceitar a proposta, o apartamento será dela. Mas tenho pressa. Quero corrigir alguns erros. Praticamente deixei minha mulher por Leia. Um casamento de vinte anos. Carolina era a melhor esposa que um homem poderia ter. Eu ganhei dinheiro, fiquei numa situação confortável, comecei a ver defeitos nela e a me afastar... Idiotice de meia-idade. Achei que era um garotão. Foi quando conheci a Leia, há quatro anos.
     – Já vi muitas histórias assim, doutor. São fases da vida.
    – Uma fase besta. Fiz um papel ridículo. Quis me convencer de que uma garota jovem e bonita estava apaixonada por mim. Eu causava inveja aos meus amigos...
     – Talvez ela goste mesmo do senhor.
   –  Pontes, hoje eu vejo a realidade. Ela sempre quis meu dinheiro. Viagens, jóias, roupas. Gastei muito com ela. Não me importava. Prometi um apartamento a Leia e vou dar. Mas só porque não quero que ela vá discutir questões de dinheiro com minha mulher,  depois que...
    – O senhor deixá-la?
    – Não. Depois que eu me for.
    – Com assim? O senhor...
    – Eu tenho um tumor, Pontes. Inoperável.
    – Lamento muito, doutor Orlando, eu... nem sei o que dizer...
  – Nunca saí da minha casa, embora viva com minha  mulher  em  quartos separados. Tenho um filho adolescente e não quis desestruturar a família. Disse a Carolina que não a amava mais, e ela concordou em ficarmos assim até o Luiz Leopoldo atingir a maioridade. Fomos vivendo. Mas esta semana ela descobriu o laudo do tumor. Mesmo sabendo da existência de Leia, Carolina ficou abalada e afirmou que se eu quisesse, ela estaria ao meu lado.
   – Então o senhor contou a sua esposa sobre dona Leia.
 – Não. Nunca falei nada. Não foi preciso. Carolina sempre soube que havia alguém. Agora quero acertar as coisas. Vou dar o apartamento a Leia e pedi ao meu advogado para redigir um documento que garanta minha família. Não quero que ela entre no meu inventário para tumultuar a vida da minha mulher e do meu filho durante anos. O que é deles estará seguro. Eles ficarão bem, e ela seguirá sua vida.
                                    
                                  Continua na próxima postagem...

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