Cresci com os aromas
da cozinha da fazenda: vendo minha mãe transformar a cesta de verduras e
tomates em saborosos caldos e refogados; brincando na chuva nas tardes em que o ferver das compotas
adocicavam a vida; balançando na rede a espera dos bolos caseiros com café
moído e passado na hora.
Há um prazer
inexplicável em resgatar essas memórias. Os registros olfativos se fazem
acompanhar das emoções correspondentes. É algo mágico, sinestésico. O perfume da
baunilha avoca a alegre surpresa do manjar; o amadeirado da canela remete ao carinho
da avó materna; o dourar do caramelo traz o aconchego do colo de mãe.
A infância já vai
longe e com o passar dos anos empurramos esses registros de forma involuntária para as gavetas mais profundas da mente. A vida
– às vezes ácida, às vezes azeda –
nos impede de saborear os antigos prazeres mais amiúde.
Invigilantes,
permitimos que o fel dos problemas espraie seu sabor em espaços maiores do
nosso eu. O cotidiano, a sobrevivência, as pequenas e as grandes frustrações
anestesiam nossas papilas, deixam nossas emoções em fogo brando.
Gostos não se
discutem, mas a maioria de nós empurra goela abaixo sorrisos amargos,
relacionamentos agridoces, amizades insossas e sonhos salgados demais. Às vezes
só nos resta uma pequena parte saborosa de vivências para degustar.
O livro da vida não
traz receitas prontas. Acertar o ponto é difícil e há risco de deixarmos
queimar os melhores pratos e vermos tudo perder o sabor.
Quando vertemos
lágrimas por picar os temperos mais ardidos, somos obrigados a lavar os olhos. Como navegantes em mar bravio, a cada tanto temos
que buscar águas calmas e criar nossa nova rota de especiarias. E não só.
Precisamos revirar os porões da velha nau e encontrar os temperos mais
preciosos que ocultamos de nós mesmos. Esses, como os da infância, é que dão verdadeiro
sabor à vida.
Hoje minha família
vai se reunir na fazenda. Vou encontrá-los daqui a pouco. Será um verdadeiro
banquete. Lá me esperam os beijos de amêndoas de minha mãe, o afago doce de meu
pai e o perfume de camomila do olhar do meu avô. Ah! E na chegada, minha avó irá
me receber no portão com um delicioso abraço de hortelã.
* Com minhas homenagens aos que ‘in memoriam’ sempre amarei.
Um comentário:
Poesia pura! Excelente!
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