Digitei o endereço e quando estava prestes a enviar a mensagem vi uma frase na margem superior: “Considere incluir fulana@tal.com.br e fulano@tal.com.br.”
Por um segundo meu cérebro parou. A frase era nova. Não havia esse recurso até então. Tive que me render à constatação: o meu programa de e-mails estava “sugerindo” destinatários!
Com base nos dados da conta, o programa registra as comunicações anteriores e agora dá sugestões.
Fui fazer um café. E pensar.
No quesito tecnologia, há uma linha tênue entre oferecer conveniências e controlar seus passos. Tecnologias que oferecem conveniências simplificam nossas ações para atingir um objetivo desejado. Podem até dar sugestões: “opções de fonte para a web”, por exemplo. Mas sugerir para quem eu devo mandar um e-mail é controle.
Se havia alguma dúvida – como somos ingênuos e crédulos – estamos plenamente na era Big Brother (não o reality medíocre, mas o de George Orwell – o Grande Irmão que tudo vê, tudo sabe e tudo prevê.)
Começou com um rótulo de conveniência. Com jeitinho de diversão.
Foi com a palavrinha “compartilhar”: compartilhe seus arquivos com amigos; suas fotos nas redes; suas mensagens com seus contatos... e por aí vai.
A impressão é que há uma conspiração para que se compartilhe tudo, com todos, o tempo todo - pela web e por celulares. É uma febre, uma virose altamente infectante.
Salta aos olhos a facilidade com que tantos se adaptaram a essa ideia. Diz um dramaturgo amigo meu, que os instantaneamente ajustados a essa prática, estavam lá, em posição de largada, prontos para compartilhar, ato contínuo isso lhes fosse permitido pela tecnologia.
Há quem compartilhe por razões profissionais, mas o mais frequente é vermos circular arquivos por mera diversão pessoal (inócua ou não). O interessante é que os aplicativos para esse fim, são, em regra, para pessoas físicas. Somos estimulados a compartilhar experiências e preferências pelo mundo (virtual) afora. Os que o fazem, tornam públicos seus hábitos, problemas, projetos, etc. Sabemos onde residem; que amigos possuem; que locais frequentam; seus planos; viagens; suas compras virtuais; o que conversam on line; entre outras coisas, digamos, até mais reservadas.
Compartilhar tornou-se também um parâmetro para valorizar as pessoas. Peças publicitárias qualificam como antiquados – e menosprezam – aqueles que usam equipamentos, programas ou sistemas que não compartilham tudo o tempo todo.
Há uma minoria atenta à questão da exposição na internet. Motivo não falta. Nos EUA existem associações de vítimas e de familiares de vítimas que foram roubadas, estupradas, desmoralizadas, sequestradas e até mortas por se exporem na rede. Mas no geral, os compartilhantes creem que nada vai lhes acontecer e não se importam de ver suas vidas devassadas e controladas por máquinas e aplicativos.
Há uma minoria atenta à questão da exposição na internet. Motivo não falta. Nos EUA existem associações de vítimas e de familiares de vítimas que foram roubadas, estupradas, desmoralizadas, sequestradas e até mortas por se exporem na rede. Mas no geral, os compartilhantes creem que nada vai lhes acontecer e não se importam de ver suas vidas devassadas e controladas por máquinas e aplicativos.
Curiosamente, essas circunstâncias não ocorrem com as pessoas jurídicas. Observem que pessoas jurídicas não compartilham nada. Ao menos nada de relevante.
As corporações não desvendam na Internet seus problemas internos, seus planos e metas. Ao contrário, o mundo corporativo caminha no sentido diametralmente oposto.
Amigos em empresas de grande porte afirmam que o controle nas Intranets e Internet é cada vez mais rigoroso. Não se compartilha nada com ninguém, a não ser com superiores imediatos.
Quem é programador ou hacker sabe que as empresas têm investido fortunas para limitar o acesso interno e externo a dados e impedir que vazem informações. Não vemos na web relatórios ou fotos da reunião das multinacionais que pretendem uma fusão. Até que se noticie, oficialmente, o fato ou as intenções, as questões são conduzidas em sigilo.
Recentemente, duas grandes instituições financeiras se fundiram causando um frisson no mercado e depois de revelada a operação, declararam que estavam em conversações há anos! Mas ninguém compartilhou nada.
Recentemente, duas grandes instituições financeiras se fundiram causando um frisson no mercado e depois de revelada a operação, declararam que estavam em conversações há anos! Mas ninguém compartilhou nada.
Enquanto as pessoas físicas se expõem cada vez mais, as pessoas jurídicas se expõem cada vez menos. O lado A o lado B da mesma era tecnológica.
Eu fico com o óbvio: informação é poder.
Fomos arrastados para a era Big Brother e depois de compelidos a compartilhar, nos monitoram nos programas de e-mails; nos acessos às lojas virtuais (veja os últimos produtos que você pesquisou); no registro do histórico dos navegadores.
Outro dia fui pesquisar sites para fazer um PowerPoint sobre mortes em Medicina Legal. No dia seguinte meu e-mail estava repleto de promoções de planos funerários e cemitérios verticais.
O mesmo vale para a febre das redes sociais. Há quem diga que conhecer as ações dos amigos nas redes é vantajoso. Eu prefiro cuidar da minha vida. Que saber quem convidou quem para alguma coisa é útil. Para mim o tempo gasto nessas leituras é desperdício. Que espalhar seu perfil e sua vida por dezenas de redes é apropriado. Optei por ser seletiva e interagir em casos específicos. Que deixar seus rastros pela web afora é conveniente. Prefiro ter a liberdade de navegar e pesquisar sem uma coleira no pescoço.
Pelo tanto de gente que se adequou à era Big Brother, sinto-me um peixe fora d’água. Tirando honrosas exceções, a maioria acha toda essa tecnologia muito conveniente.
E pode até ser.
Conveniente demais.
"If you want a picture of the future, imagine a boot stamping on a human face--for ever."G.Orwell
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